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Animal silvestre, selvagem, nativo ou exótico?

Mas afinal de contas o que é um animal silvestre, nativo ou exótico? E isso faz diferença na vida real?

Certamente, todos esses conceitos são criações humanas para categorizar e definir diferentes grupos de animais. Consequentemente essas definições podem variar dependendo do contexto em que são empregadas, e isso é particularmente evidente no âmbito legal, que regula a posse, manutenção e criação de animais para diversos fins.

No contexto legal, esses termos desempenham um papel fundamental na determinação de quais animais podem ser mantidos para diversas finalidades, bem como nas diretrizes sobre como esses animais devem ser tratados uma vez sob cuidado humano. Essas definições são essenciais para garantir o bem-estar dos animais e para estabelecer responsabilidades claras para os seus responsáveis ou criadores.

Infelizmente, há uma considerável confusão em torno desses conceitos, especialmente devido às diversas legislações ambientais em nosso país e em diferentes esferas. Cada uma dessas legislações apresenta definições diferentes para esses termos, resultando em uma grande variedade de interpretações que podem confundir tanto o público em geral quanto os profissionais da área.

Diante dessa diversidade de definições, surge a pergunta: existe um termo correto ou, pelo menos, um termo que seja logicamente consistente? Para responder a essa questão, é necessário uma análise detalhada das definições legais em cada contexto, bem como uma compreensão das necessidades específicas de gestão de fauna. Através desse entendimento, podemos buscar esclarecer e harmonizar esses conceitos, visando garantir uma melhor gestão de fauna e uma aplicação mais eficaz das leis ambientais.

Várias legislações categorizam esses animais apenas como silvestres, nativos ou exóticos, portanto uma definição dentro de três termos. Essa é a definição presente na Resolução CONAMA 489/2018, a mais aceita nacionalmente até o momento, e também a mais popular entre profissionais e nas redes sociais, sendo:

VI – fauna exótica: espécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro e suas águas jurisdicionais, ainda que introduzidas, pelo homem ou espontaneamente, em ambiente natural, inclusive as espécies asselvajadas e excetuadas as migratórias;

VII – fauna silvestre: espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras;

VIII – fauna doméstica: espécies cujas características biológicas, comportamentais e fenotípicas foram alteradas por meio de processos tradicionais e sistematizados de manejo e melhoramento zootécnico, tornando-as em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável e diferente da espécie que os originou;

RESOLUÇÃO CONAMA Nº 489, DE 26 DE OUTUBRO DE 2018

Realmente, ao considerarmos essa definição, nos deparamos com algumas questões fundamentais que podem não refletir completamente nossa realidade. Por exemplo, sob essa definição, animais como pítons-bola ou furões seriam classificados como animais exóticos e não animais silvestres. Por outro lado, temos casos de animais exóticos domesticados, como os coelhos. O fato de serem considerados animais domésticos não elimina sua classificação como exóticos e, portanto, não devem ser soltos no território brasileiro. Isso evidencia a fragilidade dessas definições e a necessidade de uma abordagem mais precisa e abrangente.

Ainda, em alguns trechos a própria Resolução CONAMA 489/2018, há o reconhecimento que animais silvestres podem ser nativos ou exóticos como no artigo “IX – parte ou produto da fauna silvestre: fração ou produto originário de um espécime da fauna silvestre, nativa ou exótica, que não tenha sido beneficiado a ponto de alterar sua característica ou propriedade primária”.

Nessa perspectiva, ao considerarmos a IN 07/2015 do IBAMA, percebemos uma abordagem mais sólida e coerente em relação às definições de fauna. Essa instrução normativa estabelece categorias claras, dividindo os animais em fauna doméstica, fauna silvestre nativa e fauna silvestre exótica. É curioso notar que a IN 07 é de 2015, enquanto a Resolução CONAMA 489 é de 2018, portanto uma legislação mais antiga é, aparentemente, mais robusta do que uma resolução mais recente.

IV – fauna doméstica: conjunto de espécies da fauna cujas características biológicas, comportamentais e fenotípicas foram alteradas por meio de processos tradicionais e sistematizados de manejo e melhoramento zootécnico tornando-as em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, mas diferente da espécie silvestre que os originou;

V – fauna silvestre exótica: conjunto de espécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro e suas águas jurisdicionais, ainda que introduzidas, pelo homem ou espontaneamente, em ambiente natural, inclusive as espécies asselvajadas e excetuadas as migratórias;

VI – fauna silvestre nativa: todo animal pertencente a espécie nativa, migratória e qualquer outra não exótica, que tenha todo ou parte do seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro ou águas jurisdicionais brasileiras;

Instrução Normativa IBAMA 7, de 30 de abril de 2015

Quando voltamos ao caso do coelho, ainda podemos observar uma certa ambiguidade perante a IN 07/2015. Embora o coelho possa ser classificado como um animal doméstico, ele continua sendo uma espécie exótica, uma vez que não é nativo da fauna brasileira. Essa situação destaca uma lacuna na caracterização de cada espécie, já que a IN 07/2015 foca exclusivamente na divisão da fauna silvestre entre nativa e exótica. Talvez seja necessário um refinamento nas definições para garantir uma abordagem mais abrangente e precisa em relação a todas as espécies de animais, incluindo aquelas que são consideradas domesticadas, mas ainda são exóticas em determinados contextos.

Diante de diferentes definições, acreditamos que com o passar do tempo e debates técnicos vamos chegar a um consenso e termos de fato sólidos. Portanto, vamos analisar uma resolução publicada em 2023 no Estado do Paraná que nos traz quatro definições: doméstica e silvestre, nativa e exótica.

XXI – fauna doméstica: conjunto de espécies consideradas como domésticas, listadas no Anexo I;

XXIII – fauna exótica: conjunto de espécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro ou suas águas jurisdicionadas, excetuando-se para fins de gestão das espécies listadas no Anexo I desta Resolução;

XXV – fauna nativa: conjunto de espécies cuja distribuição geográfica original inclui o território brasileiro e suas águas jurisdicionadas – sinônimo de fauna brasileira;

XXVI – fauna silvestre: conjunto de espécimes, em qualquer fase do seu desenvolvimento, que vivem em seu habitat natural;

Resolução Conjunta SEDEST/IAT nº 06, de 05 julho de 2023

Essa talvez seja a resolução mais recente sobre fauna silvestre e uma das mais questionáveis. Inicialmente, a definição de fauna doméstica parece ser arbitrária, baseada simplesmente em listas pré-estabelecidas, sem critérios técnicos bem definidos, como observado em outras legislações. Seguimos para a definição precisa de espécie exótica e nativa, focada apenas na origem geográfica da espécie. Porém o grande problema vem na definição de fauna silvestre, incluindo apenas espécimes que em qualquer fase do seu desenvolvimento, que vivem em seu habitat natural.

Um exemplo claro disso seria uma jiboia, que, se nascida e criada em um criadouro legal, não seria considerada fauna silvestre, já que não teve nenhuma fase do seu desenvolvimento em habitat natural, apenas em ambiente doméstico. Porém, a jiboia também não está listada como animal doméstico. Portanto, ela seria definida apenas como um animal nativo, não doméstico e nem silvestre.

Nesse caso, como a legislação prevê licenciamento ambiental apenas para espécies silvestres, essa jiboia não precisaria de licenciamento ambiental para reprodução e venda, assim como um cão doméstico. Essa lacuna na definição de espécies pode gerar ambiguidades e complexidades na interpretação e aplicação das regulamentações ambientais.

Outra legislação recente, a Lei 8709/2022 de Alagoas comete o mesmo errro, e considera animal silvestre aquele que também, em qualquer fase do seu desenvolvimento, vive em seu habitat natural. Permitindo a mesma interpretação errônea citada anteriormente.

XX – Fauna Doméstica: conjunto de espécies consideradas como domésticas ou dispensadas de controle ambiental, cujos usos não se submetem a presente Lei e à operacionalização do órgão ambiental estadual;

XXI – Fauna Exótica: conjunto de espécies e subespécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro ou suas águas jurisdicionadas, excetuando-se para fins de gestão as espécies da fauna doméstica;

XXIV – Fauna Nativa: conjunto de espécies e subespécies cuja distribuição geográfica original inclui o território brasileiro e suas águas jurisdicionadas, sinônimo de fauna brasileira;

XXV – Fauna Silvestre: conjunto de espécimes da fauna nativa e exótica, não domésticas conforme Anexo I desta Lei, em qualquer fase do seu desenvolvimento, que vivem em seu habitat natural;

Lei Alagoas Nº 8709 DE 11/07/2022

Os termos em si não são intrinsecamente complicados. Na verdade, a literatura científica oferece definições bastante claras e precisas. Uma análise detalhada dos casos recentes seria capaz de resolver a grande maioria das divergências. Então vamos lá…

A definição em três termos apresenta lacunas e ambiguidades importantes que podem dificultar a interpretação e aplicação das regulamentações ambientais. Por exemplo, os furões são considerados animais silvestres, mas também são animais exóticos. Da mesma forma os coelhos são animais domésticos e também exóticos, ao contrário, por exemplo, de pítons que são serpentes silvestres e também exóticas.

Uma abordagem em dois critérios e quatro definições, fornece uma classificação mais abrangente e precisa das espécies, facilitando significativamente o entendimento de sua condição perante a legislação. Afinal, a classificação entre “silvestre” e “doméstico” é independente da classificação de “nativo” e “exótico”.

De maneira prática teríamos uma primeira uma abordagem clara e prática para diferenciar entre animais “domésticos” e “silvestres”. Sendo animais domésticos aqueles que passaram por modificações biológicas, comportamentais e fenotípicas devido à seleção genética humana ao longo do tempo, sendo claramente uma categoria de espécies que são mais próximas do ser humano e que foram moldadas para atender às nossas necessidades específicas.

Por outro lado, os animais silvestres são aqueles que não foram sujeitos a esse processo de domesticação e permanecem predominantemente similares aos espécimes de vida livre originais. Isso inclui uma vasta gama de espécies, desde répteis e aves até mamíferos como os furões.

A classificação entre “nativos” e “exóticos” complementa a distinção entre animais silvestres e domésticos, oferecendo uma compreensão mais completa da diversidade da fauna. Sendo animais nativos aqueles cuja distribuição geográfica original inclui o território brasileiro ou suas águas jurisdicionais. Por outro lado, animais exóticos são aqueles cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro, mesmo que tenham sido introduzidos pelo homem ou espontaneamente em ambiente natural.

Essa abordagem facilita muito a classificação e compreensão da posição de cada espécie animal dentro dessas definições. Com a distinção entre doméstico/silvestre e nativo/exótico, podemos categorizar de forma clara e objetiva uma ampla variedade de animais.

Por exemplo, os cães, gatos e coelhos são considerados animais domésticos e exóticos, refletindo sua domesticação e sua origem além do território brasileiro. Por outro lado, aves como o papagaio-verdadeiro e as cacatuas são classificadas como animais silvestres, sendo os papagaios-verdadeiros nativos e as cacatuas exóticas. No caso das serpentes, a jiboia seria classificada como uma serpente silvestre nativa, enquanto a píton-bola seria uma serpente silvestre exótica. Essa abordagem torna o processo de classificação mais simples e acessível, fornecendo uma estrutura clara para entender a diversidade da fauna e orientar ações de conservação e manejo.

Nessa perspectiva, a Resolução INEA 157/2018 é a mais sólida de todas as legislações atuais. Ela traz definições objetivas e práticas de fauna silvestre ou doméstica, e divide a fauna silvestre podendo ser nativa ou exótica. Ainda considera que fauna selvagem é sinônimo dde fauna silvestre, inovando perante as demais legislações.

No entanto, um ponto polêmico dessa resolução é a definição de fauna doméstica exclusivamente para espécies exóticas, deixando de lado uma única exceção: o pato-do-mato (Cairina moschata), uma espécie brasileira considerada cientificamente como doméstica. Apesar disso, no geral, a Resolução INEA 157/2018 proporciona uma base de conceitos sólida.

XIII – Fauna silvestre: animais pertencentes às espécies cujas populações, originalmente, vivem em vida livre, sujeitas à seleção natural, abrangendo a fauna nativa, autóctone e alóctone, e a fauna exótica, podendo ser utilizada a sinonímia Fauna Selvagem;

XIV – Fauna silvestre exótica: animais pertencentes às espécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro ainda que introduzidas, pelo homem ou espontaneamente, em ambiente natural. Incluem-se as espécies asselvajadas, excetuando-se as espécies migratórias;

XV – Fauna silvestre nativa: animais pertencentes às espécies cujas populações originalmente vivem em vida livre, migratórias ou não, aquáticas ou terrestres, cuja distribuição geográfica original inclui o território brasileiro ou suas águas jurisdicionais;

XVIII – Fauna doméstica: conjunto de espécies da fauna exótica, cujas características biológicas, comportamentais e fenotípicas foram alteradas por meio de processos tradicionais e sistematizados de manejo e melhoramento zootécnico tornando-as estreitamente dependentes do homem, podendo apresentar fenótipo variável e diferente da espécie silvestre que os originou;

Resolução INEA Nº 157 DE 19/10/2018

Mas qual a relevância de todos esses conceitos?

Sem dúvida, a definição precisa de quais espécies são consideradas silvestres é de extrema importância, especialmente no contexto da legislação ambiental brasileira. Basicamente todas as interpretações legais da gestão de fauna dependem de definições claras e de fácil interpretação, e essas divergências apenas dificultam a vida de todos.

Por exemplo, apenas a criação de animais silvestres no Brasil exige licenciamento ambiental específico e portanto, estão sujeitos a licenciamento, autorização e fiscalização do órgão ambiental do seu estado. Nesse contexto, definir quais espécies são consideradas silvestres é essencial para o cenário da criação de animais no país.

A própria Lei Complementar 140 determina no Art. 8o que são ações administrativas dos Estados: XIX – aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre. Portanto definir fauna silvestre, o que a LC 140 não faz, é essencial para saber se estamos usando a defnição da Resolução CONAMA 489/2018 (doméstico, silvestre e exótico), da IN07/2015 do IBAMA (doméstico, silvestre nativo e silvestre exótico) ou qualquer outra definição dentro dessa grande bagunça de conceitos!

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